Dando sequência à série Reflexos e Refrações, permeada dos
ensinamentos sapienciais da cabala, este quinto volume - Cabala e a arte de
apreciação do afeto - aborda questões relacionadas aos afetos e como os
apreciamos, revelando aspectos profundos do funcionamento do ser humano.
Do que somos feitos nós, seres humanos, tal que nos
distinguimos de tudo o mais que povoa o universo? Se nos tempos atuais o estudo
da mente toma o nome de Psicologia, em todas as culturas encontramos uma visão
da natureza humana, a qual se coaduna com as ideias daquela civilização sobre o
que é, ou seja, sobre a realidade em geral.
Do ponto de vista psicológico, um fator que singulariza a
vasta literatura judaica é o seu robusto realismo: sendo a psique humana
constituída por forças e tendências contraditórias, todos e cada um dos seus
componentes são indispensáveis ao seu funcionamento adequado. Esta tese leva em
conta que os impulsos fundamentais não podem ser suprimidos - não somos anjos -
e, por isso, toda tentativa ascética de silenciá-los está fadada ao fracasso.
Por outro lado, para que seja possível a vida em sociedade é
necessário que eles sejam submetidos a um processo "educativo" ou
"civilizatório" - sinônimos sob a pena de Bonder - e é justamente a interação
paradoxal entre ambas as vertentes o fio condutor das análises que nos aguardam
no decorrer destas páginas.
Como bússola, elas tomam a distinção entre existir e viver,
o primeiro sendo o modo de ser dos seres inanimados, plantas e animais.
No nosso caso, porém, a ele se acrescenta a vida
propriamente dita, que consiste na dinâmica dos afetos. A palavra afeto não
designa aqui o "terno" ("afetuoso"), mas a força com que algo impacta outro
algo, e em particular o que faz com que um ato humano produza efeitos tanto em
quem o realiza quanto naquele ou naqueles a quem é dirigido. Por sua vez, os
afetos são constantemente objeto de apreciação, isto é, de uma avaliação, que a
razão e a consciência efetuam por meio de comparações calcadas em valores e
princípios.
Com esses instrumentos de base, Bonder vai construindo em
linguagem clara e acessível um sistema de conceitos para situar as várias
dimensões em que operam os impulsos fundamentais. Cada momento da argumentação
é ilustrado com uma história, parábola ou frase extraída da literatura
rabínica, que o autor interpreta com criatividade e sutileza.
Assim, do Talmude aos rebes hassídicos e a filósofos como
Martin Buber, descortinamos um panorama ao mesmo tempo exigente do ponto de
vista ético e tolerante frente à fragilidade intrínseca de quem foi feito "do
pó da terra". O ápice desse percurso pelos mecanismos da alma é a discussão do
vínculo, a forma mais elevada de relacionamento de que somos capazes. E por
quê? Porque "há respostas e revelações no outro que você jamais conhecerá em
si".
Nilton Bonder é escritor, rabino e autor de dezenas de
livros, dentre eles o best seller A Alma Imoral